Voltar ao site

Defensoria ao avesso

Publicado originalmente no jornal O Dia

Ainda faltam mais de dois anos para a abertura dos Jogos Olímpicos, mas Eduardo Paes já pode subir ao topo do pódio. O prefeito é o recordista carioca na modalidade ‘remoções em massa’. Sua marca é demolidora. Entre 2009 e setembro de 2013, 19.220 famílias foram removidas. Média de 337 por mês.

Essas remoções não ocorreram em áreas de risco, com o objetivo de levar as pessoas para imóveis em locais seguros. A finalidade da maior parte delas é abrir caminho para investimentos empresariais relacionados aos grandes eventos. Essa realidade é fruto de marca perversa da gestão Paes: o planejamento da cidade é voltado para os negócios, não para as pessoas.

A novidade é que a cúpula da Defensoria Pública do estado, comandada por Nilson Bruno, quer ajudar o prefeito a melhorar seu desempenho. A instituição, cujo objetivo principal deveria ser proteger os direitos dos cidadãos, associou-se aos interesses da administração municipal para permitir remoções na Vila Autódromo, em Jacarepaguá, no Morro da Providência, no Centro, e na Favela Indiana, na Tijuca.

Na Vila Autódromo, onde viviam 583 famílias, a direção da Defensoria viabilizou a anulação de liminar que interrompia as demolições até a prefeitura dar transparência ao processo. O surpreendente é que a ação original que havia suspendido as remoções fora apresentada pelo Núcleo de Terras e Habitação, da própria instituição. Houve uma intervenção de Nilson Bruno no trabalho realizado pelo núcleo.

Nilson Bruno deveria se preocupar com a situação desesperadora dos moradores da comunidade. Vizinhos do Parque Olímpico, área onde serão disputadas modalidades olímpicas e construídos hotéis e condomínios, os moradores são assediados pela prefeitura para deixar suas casas.

Lá, a intimidação substitui procedimentos legais. Eles se queixam que técnicos do município os pressionam a assinar os contratos de demolição, mentem sobre a invalidação da Concessão de Direito Real de Uso — documento que certifica a posse do terreno — e atiçam conflitos entre aqueles que querem sair e os que desejam permanecer. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj vai debater a polêmica amanhã, às 10 horas.

As remoções deveriam ser o último recurso. Se não houver saída, o poder público é obrigado a garantir novas moradias, compensar perdas e viabilizar o acesso à Justiça. Por enquanto, sonho olímpico.