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PM descumpre compromisso e não desocupa casas no Alemão

Por Equipe Marcelo Freixo

A Polícia Militar oficializou uma ilegalidade ao ocupar dezenas de casas no Alemão como parte da estratégia para construir uma torre blindada na Praça do Samba, na favela Nova Brasília. Durante audiência pública realizada na Defensoria Pública do Estado, no dia 24 de abril, em parceria com os moradores do complexo, o sub-coordenador de Polícia Pacificadora, tenente-coronel Marcos Borges, se comprometeu a começar a desocupar as residências no dia seguinte, mas nada foi feito contra a ilegalidade. Também participaram do debate representantes da Secretaria de Segurança, Ministério Público, Defensoria Pública, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal e movimentos de moradores do Alemão.

A postura da PM é grave e mostra a naturalização de ilegalidades praticadas nas favela. A situação não ajuda a resolver os conflitos. Pelo contrário, prejudica moradores, lançados ao centro dos confrontos e pondo em risco suas vidas, e policiais, submetidos a péssimas condições de trabalho. Quatro moradores morreram e três PMs ficaram feridos nas operações para instalar a base. A política de segurança é uma tragédia para todos: temos a polícia que mais e que mais morre. Por isso, a Defensoria Pública está apresentando uma ação para exigir a imediata desocupação das residências, e a Anistia Internacional lançou campanha para divulgar e mobilizar a população contra o abuso.

A audiência pública foi solicitada e organizada junto com moradores do Alemão, que relataram as violações de que são vítimas. Uma dessas pessoas foi o marceneiro e pastor protestante Jorge Félix, de 58 anos. Há cerca de um ano, assustados com os tiroteios constantes, ele e a mulher decidiram deixar a casa onde sempre viveram, na Praça do Samba. Passaram a morar de aluguel
em Campo Grande. A residência chegou a ser alugada, mas a inquilina também não suportou os confrontos e devolveu o imóvel. Ao retornar a Nova Brasília para tentar conseguir um novo inquilino, Jorge descobriu que sua casa havia sido transformada em base de operações da PM. Pela segunda vez, a violência, agora diretamente praticada pelo Estado, expulsou o marceneiro da
própria casa.

"O Estado deveria nos defender, mas transformou a minha casa em ponto de troca de plantão dos policiais. Fui na UPP reclamar, mas disseram que não iriam sair, que a ordem vinha de cima. Agora estou sem poder alugar de novo. Fica o apelo para que o Estado do Rio de Janeiro nos ajude. Se fosse no Leblon, duvido que fizessem o que fizeram comigo", lamentou.

Crédito: Mídia Ninja

Moradora do Alemão e coordenadora do projeto Favela Art, que trabalha com 180 crianças do complexo, a artista plástica Marluce de Souza criticou a política de guerra do governo e as operações e os confrontos gerados pela implantação da base blindada.

"O governador esteve no Alemão em 2014. Disse que não teria guerra, mas estão jogando xadrez com nossas vidas. Quero saber quando as pessoas vão poder sair para trabalhar sem correr o risco de morrer, quando as crianças poderão ir para a escolas sem o risco de morrer. O que vão fazer com uma base blindada colocada numa praça histórica no meio do Alemão? Vão parar os tiros? O caveirão é blindado, a base é blindada, mas os nossos barracos não são. Vocês dizem que a guerra é contra as drogas, mas as drogas não estão no meio dos tiros, são pessoas que estão no meio dos tiros", afirmou.

O tenente-coronel Marcos Borges afirmou que a ocupação das casas, realizadas de maneira ilegal, fizeram parte da estratégia da corporação para construir a base. Ele disse ainda que os policiais deixariam as residências no dia em que a audiência foi realizada, o que não ocorreu, de acordo com Marcos Borges, por causa das chuvas. "Hoje (24) já se encerra a implantação da base e hoje ou amanhã os policiais sairão das residências. Tudo tem um planejamento e estamos fazendo. Era para acontecer hoje, mas choveu muito", justificou.

A equipe da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidida por Marcelo Freixo, está acompanhando a situação no Alemão. Durante a audiência, Freixo pediu a retirada imediata dos policiais das residência ocupadas. "Estamos aqui para defender a vida de todas as pessoas que vivem no Alemão, tanto moradores quanto trabalhadores do Estado. Os direitos dos moradores precisam ser respeitados. E os policiais não podem continuar abandonados. Temos a polícia que mais mata e que mais morre. Não há vencedores nessa tragédia", argumentou. No Rio, em 2017, três pessoas foram mortas por dia pela polícias e um policial morreu a cada dois dias.