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Aos Chalas

Folha de São Paulo

A educação é uma aventura humanista. Essa reflexão de Paulo Freire emergiu para mim quando assisti aos conflitos vividos por Chala (Armando Valdes) no filme “Numa Escola de Havana”, de Ernesto Darana.

Chala, 11, é um menino rebelde, típico aluno tratado como problema pela maioria das escolas. Filho de uma viciada em drogas, ele vive dramas comuns a muitos garotos pobres cujos conflitos o sistema educacional não consegue lidar.

Em meio às adversidades, começa a aventura humanista entre o menino e a professora Carmela (Alina Rodriguez). O filme extrapola a ligação entre ambos. Ele mostra a dificuldade do sistema educacional em lidar com a individualidade e o contexto social dos estudantes, suas angústias, desavenças familiares, violência, pobreza.

A obra é uma provocação pedagógica ao senso comum. Ela nos ensina que os Chalas não são o problema, mas a razão de ser das escolas. Conflitos não devem ser suprimidos ou punidos, mas respondidos com uma metodologia educacional que dialogue com a realidade.

Muitos Chalas passaram por minha vida nos 20 anos em que trabalhei como professor de história, parte deles no sistema prisional do Rio. Foram alunos difíceis, mas que deram sentido à minha profissão.

Um deles foi Robson, que conheci no Instituto Penal Edgar Costa, em Niterói. Filho de um traficante e uma prostituta, sua história é uma narrativa de violências. Sua principal lembrança familiar é o dia em que seu pai baleou sua mãe.

Já adulto, sem dinheiro para comer e com uma filha recém-nascida, Robson aceitou o convite de um amigo para assaltar uma farmácia no Flamengo. Ao ver uma caixa de leite em pó, não titubeou, agarrou-a e correu. Ficou preso por três anos e meio.

Nosso método de ensino era inspirado em Paulo Freire. Partíamos dos pressupostos de que todos os estudantes são sujeitos do conhecimento e que a incorporação do contexto social dos alunos ao projeto pedagógico é essencial ao aprendizado.

Robson resistiu bastante, até que um dia o encontrei lendo “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. Não resisti: “Olha o bandido perigoso lendo Jorge Amado!” Irritado, ele retrucou que tinha se tornado ainda mais perigoso. Imaginei que recomeçaria a ladainha sobre vingança, mas ele me surpreendeu: “Agora, sou muito mais perigoso, porque larguei a arma para pegar num livro”.

Essa resposta, mais do que qualquer nota ou índice de avaliação, mostra o real sentido da educação. Robson estava aprendendo a ler o mundo, transformando a revolta na força para mudar a realidade.

Diante dos radicalismos que Cuba inspira, provoco seus admiradores e adversários a irem juntos ao cinema. Vocês verão que o debate proposto pela obra não cabe numa ilha.